Não sou. Fomos amigos até o momento em que ele passou a escrever o que eu ainda estava por ditar.
À época, eu tinha 15 e ele 60. Tínhamos muito em comum. Eu acabara de conhecer a história de Che e estava numa fase revolucionária. Ele estava aposentado há 10 anos e também achava que uma revolução lhe cairia bem.
O conheci na feirinha, em João Pessoa. Eu saindo do café 33 para comer um cachorro quente na mundial e ele comprando o jornal na banca em frente a quadra de tênis do hotel Cabo Branco.
Quando pagou a conta, se virou meio nervoso e deixou cair a Playboy da Tiazinha (Suzana Alves) que ele tinha escondido entre a notícia que Ronaldo estava dopado na final da copa do mundo e o anúncio do nascimento da Google, que pretendia superar o Cadê como melhor site de busca.
Olhei pra ele e disse: "As entrevistas da playboy são muito boas, né não?"
Quebrei o gelo na hora com um velho código que os homens usam para justificar a compra da playboy.
Ele sacou na hora.
Depois comemos. Um cachorro quente. Eu paguei. Ele tinha gasto toda a grana na entrevista de Maílson da Nóbrega - o entrevistado da edição da Tiazinha.
Ficamos amigos durante alguns anos, mas o tempo acabou passando e nossa amizade foi sendo minada. Acabou quando ele tinha 80 e eu 25. Sim, se você fez as contas e elas não batem é porque o tempo corre mais rápido para os que se aproximam da morte.
Aos 80 ele já não queria mais a revolução. Tinha medo que seus bens fossem partilhados pelos comunistas do sindicato. Além disso, dizia que, por estar perto da morte, seus dias eram mais emocionantes que passar pela pirâmide do parque do povo portando relógio de ouro.
Eu ri disso. Me lembrei quando lhe apresentei Jackson do Pandeiro em pleno São João de Campina e lhe disse: "Vai me dizer que Shakira é melhor?"
Ele me respondeu: "Respeite Shakira! Ela é capaz de quebrar a indústria pornográfica com aquele rebolado."
Ele era doido pela Shakira. Pouco por ser conterrâneo, muito pelo rebolado.
Foi nesse tempo que ele escreveu um de seus livros. Me confessou certa vez que o título fazia referência a sua paixão pela colombiana. Em sua promessa, ele jurou que era capaz de trocar cem anos de solidão por uma noite com a cantora.
Eu lhe disse: "Contente-se com suas putas tristes, seu velho desmemoriado."
Daí, ele roubou o título de outra obra.
Depois disso começamos a brigar pela autoria de vários textos. Ele vinha com o velho argumento: Qualquer coisa que se pense, se não é escrito ou dito, não é seu.
Velho escroto.
Pior que, depois dele, eu criei esse blog e vivo escrevendo o que penso. Vai que uma merda dessas alguém lê e percebe quão vigaristas são os bons escritores. Vivem escrevendo o que nos pertence.
2 comentários:
Escrotíssimo.
Hahahaha, genial !
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