terça-feira, 8 de junho de 2010

Como conheci Gabriel Garcia Marquez (Bielito)

Muitos me questionaram se sou mesmo amigo de Bielito.

Não sou. Fomos amigos até o momento em que ele passou a escrever o que eu ainda estava por ditar.

À época, eu tinha 15 e ele 60. Tínhamos muito em comum. Eu acabara de conhecer a história de Che e estava numa fase revolucionária. Ele estava aposentado há 10 anos e também achava que uma revolução lhe cairia bem.

O conheci na feirinha, em João Pessoa. Eu saindo do café 33 para comer um cachorro quente na mundial e ele comprando o jornal na banca em frente a quadra de tênis do hotel Cabo Branco.

Quando pagou a conta, se virou meio nervoso e deixou cair a Playboy da Tiazinha (Suzana Alves) que ele tinha escondido entre a notícia que Ronaldo estava dopado na final da copa do mundo e o anúncio do nascimento da Google, que pretendia superar o Cadê como melhor site de busca.

Olhei pra ele e disse: "As entrevistas da playboy são muito boas, né não?"

Quebrei o gelo na hora com um velho código que os homens usam para justificar a compra da playboy.

Ele sacou na hora.

Depois comemos. Um cachorro quente. Eu paguei. Ele tinha gasto toda a grana na entrevista de Maílson da Nóbrega - o entrevistado da edição da Tiazinha.

Ficamos amigos durante alguns anos, mas o tempo acabou passando e nossa amizade foi sendo minada. Acabou quando ele tinha 80 e eu 25. Sim, se você fez as contas e elas não batem é porque o tempo corre mais rápido para os que se aproximam da morte.

Aos 80 ele já não queria mais a revolução. Tinha medo que seus bens fossem partilhados pelos comunistas do sindicato. Além disso, dizia que, por estar perto da morte, seus dias eram mais emocionantes que passar pela pirâmide do parque do povo portando relógio de ouro.

Eu ri disso. Me lembrei quando lhe apresentei Jackson do Pandeiro em pleno São João de Campina e lhe disse: "Vai me dizer que Shakira é melhor?"

Ele me respondeu: "Respeite Shakira! Ela é capaz de quebrar a indústria pornográfica com aquele rebolado."

Ele era doido pela Shakira. Pouco por ser conterrâneo, muito pelo rebolado.

Foi nesse tempo que ele escreveu um de seus livros. Me confessou certa vez que o título fazia referência a sua paixão pela colombiana. Em sua promessa, ele jurou que era capaz de trocar cem anos de solidão por uma noite com a cantora.

Eu lhe disse: "Contente-se com suas putas tristes, seu velho desmemoriado."

Daí, ele roubou o título de outra obra.

Depois disso começamos a brigar pela autoria de vários textos. Ele vinha com o velho argumento: Qualquer coisa que se pense, se não é escrito ou dito, não é seu.

Velho escroto.

Pior que, depois dele, eu criei esse blog e vivo escrevendo o que penso. Vai que uma merda dessas alguém lê e percebe quão vigaristas são os bons escritores. Vivem escrevendo o que nos pertence.

Gabriel Garcia Marquez

Eu li o livro "Memórias de minha putas tristes" faz muito tempo. No entanto, me lembrava perfeitamente que uma passagem dele foi feita por mim. Me lembrava em que parte (física mesmo) da página estava esse meu trecho e que pedi a "bielito" que não mudasse nem o que estivesse gramaticamente errado.

Ele disse que o texto era bom, mas que ia mudar umas coisas. Nossa amizade acabou por aí. Quando li "Cem anos de solidão", enviei uma carta para ele dizendo: "Que confusão mental é essa? Com tantos nomes e tão parecidos, não se passa da primeira página dessa merda. Ninguém vai ler."

Enfim, depois de muito tempo procurando, acabei achando meu trecho. Esse livro vale a pena só por ele. Não gosto de ler, curto mais as figurinhas.

"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Certidão

Eu gostei de Casuarina de cara. Pela execução bem feita e pelo repertório bem escolhido.

Existe uma música deles que me emociona. O nome é Certidão. Ela traz uma mensagem fantástica. Fosse o samba de gente do morro e negra, Noel não teria vencido. Um ritmo não é de uma classe, nem de uma cor. Samba é feito de morro, feito de negro, feito de branco e feito de asfalto. Não se pode pedir certidão.

Veja um pedaço da resenha do Biscoito Fino:

“CERTIDÃO é um grito. De quem vem sendo posto em cheque por fazer samba. Logo o samba, sempre tão popular e acessível, agora tinha uma cartilha determinando quem o podia ouvir e fazer. CERTIDÃO é a resposta dos músicos-não-sambistas-que-fazem-samba-ainda-assim. Quando João Fernando me mostrou a melodia, vi na hora que ela se prestava, como uma luva, a esse propósito de gritar que não pedimos endosso, não pedimos para ser sambistas, apenas ouvimos sambas, fazemos sambas e vivemos do samba. Um pouco por vocação, um pouco por contingência, muito porque ninguém faz samba por preferir.


A música é essa (não é possível colocar o vídeo aqui)

Certidão
É papel que não preciso, não
Pois o samba que hoje canto
É íntimo e tem razão de ser

As palavras não são sem querer
Eu já sei secar meu pranto
Com a força do meu bordão

Autêntica inspiração
De quem só vê beleza
O samba é universal
Razão primordial
Do som
Ninguém detém o dom
E digo com certeza:
É público tal e qual
O nosso carnaval

Mas, vem...
Desata a criar também
Que a nossa natureza
Precisa brincar de Deus
Provar que é dos seus

Já vou...
O mestre me endossou
Com toda gentileza
De quem tem no coração
Amor que não precisa

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Tópico Frasal - Exemplo da vida real

Existe um porquê de usar tópico frasal. Imagine que você enviou documentos para se inscrever em um concurso e está esperando o deferimento ou indeferimento de sua inscrição.

Nesse meio tempo, você recebe a notícia que dois amigos seus tiveram a inscrição indeferida. Ou seja, perderam 110 dinheiros e a chance de participar do certame.

Nesse momento, você já está se cagando todo.

Finalmente você recebe o email. Já com medo de ler, você abre e se depara com o seguinte texto:

"Prezado Candidato,

De ordem da Chefia do Departamento de Ciências Exatas, vimos por meio do
presente informar que sua solicitação de inscrição para Concurso Público
de Provas e Títulos para Professor, Classe Assistente, Nível I, na área de
Desenvolvimento de Sistemas foi deferida."

Meu amigo, o cara já está se borrando e ainda a galera vem com esse palavriado todo? "Chefia", "meio do presente" ...

Tudo isso para que? Para comunicar a última palavra: deferido.

Tópico Frasal: "Prezado, sua inscrição foi deferida."

Depois disso vem todo o blá blá blá burocrático.


terça-feira, 13 de abril de 2010

Não adianta

Já procurei por todo canto
não adianta
na melodia de luiz ela não se escondeu
pelo pagode de zeca ela não anda

A vila de martinho vasculhei
pela batida do pandeiro de jackson tentei chamar
onde se meteu, não sei
para tê-la de volta, até a viola de paulinho eu fiz chorar

chora viola de paulinho
canta um pagode, zeca pagodinho
pra ela voltar

eu trago martinho lá da vila
de luiz, canto uma melodia
pra ela voltar

não adianta
sem ela, emudeceu-se tudo que canta
nem implorando
tudo que gritava, agora anda susurrando
esperando ela voltar…

terça-feira, 6 de abril de 2010

Tópico Frasal

Aprendi bastante com a revisão que meu orientador fez da minha dissertação. Sobretudo porque ele não alisou :)

Uma das lições que tirei é o uso de tópico frasal. Na verdade eu já sabia disso, sabia que era bom usar, tinha plena consciência de que melhora a leitura do texto, mas não estava usando.

Tópico frasal é uma sentença curta que resume o parágrafo. Um exemplo tirado da wikipedia:

Em 1986, os veículos a álcool chegaram a representar 98% da linha de produção. Os veículos a gasolina só eram disponíveis por encomenda. Devido a medidas na área financeira, a produção de carros a álcool hoje mal chega a 1% da frota nova. Os que restam a álcool estarão em uso por curto tempo. O programa foi exterminado.

A sacada é você apresentar a ideia do parágrafo para que o leitor se situe. Desse modo, ele saberá do que vai ser tratado logo no início do parágrafo.

Isso me remete àquele mesmo papo que discuti em um post anterior. Sobre não deixar o leitor na expectativa. Texto científico não é romance. O leitor não pode ficar curioso sobre o que vai acontecer.

Para mostrar que aprendi, e para que sirva de exemplo para quem precisar, vamos a um exemplo retirado da minha própria dissertação.

Antes estava assim:

"No contexto de arquitetura de software, várias atividades foram propostas para aplicar
o processo de verificação, isto é, checar se a implementação segue as decisões arquiteturais
previamente especificadas. O termo utilizado nessa área é verificação de conformidade."

Perceba que eu queria falar sobre verificação de conformidade, mas isso só apareceu no final do parágrafo. Quando chegou por lá, o leitor parecia que tinha corrido uma são silvestre piauiense.

Tópico frasal:
"Verificação de conformidade é um dos tipos de verificação de software.
"

A partir de então eu dissertaria sobre o assunto, sacou?

terça-feira, 2 de março de 2010

Bando de Brasileiros!

Uma coisa tem me incomodado bastante ultimamente. E não são as derrotas do meu time. O que tem me irritado é essa mania de "por que você não mora fora?". "Lá é seguro. Você pode usar seu mac de dentro do ônibus às 3 horas da manhã." Essa coisa bem médio-classista de ainda olhar pro leste como quem olha para o patrão. Admirando, invejando e copiando seu estilo de vida requintado. Essa mania de vender o fígado para passar as férias em Paris, e não conhecer a chapada diamantina ou o delta do parnaíba.

Pois bem, meus novos ídolos agora são os que colocam uma mochila nas costas e vão conhecer a américa latina. Esses são meus heróis porque olham para nós mesmos. Somos muito mais incas e astecas do que franceses ou ingleses. Somos porque temos a mesma história, derramamos quase a mesma litragem de sangue para manter nossa marca. Novos ídolos, não! Admiro faz tempo Martinho da Vila porque foi um dos poucos que foi à África aprender samba. Procurar gente da gente é o que faz a diferença entre brasileiros e euro-brasileiros.

Embora tenha vontade de conhecer Paris, eu pouco me importo com a Torre de Ferro que lá existe. Queria sim passear pelas ruas e becos franceses. Queria, porque é lá que cada um dos turistas deixam meio milímetro de sola de sapato e alguns Giga de experiências incríveis. Queria experimentar sua carne, seus entorpecentes e seu pão. Assim como faço por aqui. Portanto, enquanto aqui sobrar becos e botecos de esquina, não invejo quem mora além mar.

Sempre preferi a magia e obscuridade dos terreiros às catedrais de cartões postais européias. Eu gosto de amigos, gosto de gente. Fico ansioso quando num sábado está marcado aquela cerva na casa de algum dos meus marginais. Fico pensando "com que roupa eu vou pro samba que o arnesto me convidou". Gosto do pagode, do samba, de noel, de adoniran, da música brasileira. Ensaio piadas, afino o violão, tiro a poeira do cavaco, porque sei que vão gostar de me ouvir tocar. E vão cantar! Mesmo bêbados e descompassados. E sei que há hora pra começar, no entanto, não há para acabar. Sei que isso, por lá, não vou encontrar. Nem amigos verdadeiros, nem festas sem horário.

Ainda que pareça um grito policarpo ou de alguém que acha que o melhor do brasil é o brasileiro, corro esse risco. Sem botar banca, e sem querem fugir do que sou, é isso mesmo!
Isso que sou (que somos, mesmo que alguns não queiram). Um bucado de brasileiro que no DNA carrega sangue, suor e cerveja. E mesmo que você deseje a tranquilidade de andar com seu Macbook em uma lotação de um país desenvolvido, mesmo que você consiga, saiba, a miséria daqui não vai diminuir por isso. Essa é sempre a solução adotada por muitos para resolver o problema. Esconder ele. Empurrar para a periferia. Varrer pra de baixo do viaduto. Fugir num navio para que possa nunca mais ter contato com esse bando de brasileiro pobre e mal-educado. Vocês só me fazem lembrar a tal madame que João Gilberto jogou pedra, tal como o rebanho de tolos em Gêni de chico.

Vão. Mas, vão voltar. Com certeza. Vão voltar porque o que vai falar mais alto é o pedaço da língua que identifica um bom picado, uma moela e uma couve no alho. O que vai falar alto depois de um tempo é o que corre nas veias e formiga os pés, fazendo com que se movam em forma de samba. Seu bando de Brasileiros!